Cachete - S. M. Antigamente, no Nordeste do Brasil, era assim que se chamava qualquer comprimido para dor.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Quando Chegar a Multa, É Só Recorrer!

Os Donos da Lei

por Samarone Lima

Foi ontem, num belo domingo de sol, que tive a má sorte de presenciar o péssimo trabalho de agentes da CTTU (Companhia de trânsito e Transporte Urbano do Recife).

Tinha terminado a corrida e ainda estranhava o tamanho do percurso. Ou os 5 km não foram bem mensurados, ou meu relógio endoidou, porque fiz um tempo anormal. Para melhor, claro. Deve ser fruto das Olimpíadas. Entrei no clima do Usain Bolt.

Quando fui atravessar a rua do Cais do Apolo, defronte ao Banco do Brasil, a caminho de casa, ainda tinha a coleção de cavaletes da CTTU e alguns retardatários. Então vi uma moça com a farda da CTTU apontando para o carro que vinha da direção da Prefeitura entrar à direita, na ponte Buarque de Macedo. Estranhei, porque é contramão, mas como é dia de corrida, pensei, devem ter modificado os roteiros. Aliás, nos dias de corrida pelo Bairro do Recife, mudam tudo e a população é a última a saber. Dei uma apressada, atravessei e fui caminhando pela ponte. O carro, seguindo a orientação da guarda, seguiu rumo ao Palácio das Princesas.

Quando cheguei ao outro lado da ponte, o carro estava parado. Um guarda da CTTU, que usava uma moto, pediu os documentos.

“Seu carro está na contramão”, disse ao rapaz que dirigia.

“Mas a guarda me mandou entrar à direita”, respondeu o rapaz, que ainda estava com a roupa da corrida e usava fones de ouvido.

Como não gosto de injustiças, já me meti.

“Amigo, vi quando a moça mandou o carro entrar à direita”.

O guarda acionou o rádio e falou com o pessoal do outro lado da ponte. Ele visivelmente ficou irritado.

“Mas tem uma testemunha dizendo que viu a orientação de entrar à direira”.

Conversaram e desconversaram. O guarda, já mais velho, ficou visivelmente irritado, como se fosse coisa de novato na Companhia. Falou de novo que tinham orientado assim, e que uma testemunha confirmava. Depois de um silêncio, ele decidiu.

“Tá, então vocês resolvem aí”.

Como o motorista usava um fone de ouvido, ele avisou:

“Vou dar a multa porque estava usando fone de ouvido. A multa da contramão você argumenta lá com o pessoal”.

“Mas tem uma pessoa que eu nem conheço, que disse ter visto a mesma coisa que vi, dizendo para entrar à direita…”

O velho e batido e insuportável “não posso fazer nada” surgiu na cara do guarda, que é a tradução para o “não quero fazer nada”.

Eu não conhecia o motorista, que é jovem. Me dispus a ir com ele.

“Multa por estar na contramão deve ser uma nota e tirar vários pontos da carteira”, avisei.

Atravessamos a ponte a pé, de volta. Para mim, seria simples. Uma pessoa nova na empresa se confundiu, deu a orientação errada, basta desfazer o desentendimento e o dia segue.

“Eu nunca venho por aqui. Sou acostumado a correr no Recife Antigo e sei os caminhos”, disse o rapaz. Vou chamá-lo de Carlos, para ficar melhor.

Chegamos ao ponto, defronte ao Banco do Brasil. Não tivemos tempo sequer de dar um bom-dia.

“Você entrou na contramão, ainda apitei, mas não teve jeito”, disse uma guarda, aborricidíssima. A mocinha que tinha feito a indicação para o Carlos pegar na contramão, sequer falou um ai.

Cinco guardas da CTTU já tinham a cena decorada. O rapaz veio, entrou porque quis na contramão, foi avisado, agora só resta receber a multa em casa.

“Mas eu vi quando a moça deu a orientação para ele entrar à direita na ponte”, disse.

“De jeito nenhum”, respondeu outro guarda, exalando mau humor. “De jeito nenhum. Ela não fez sinal nenhum”.

Na verdade, parecia que o Carlos tinha feito de propósito. O cara é tão inteligente, que vai pegar uma contramão num local cheio de guardas.

Tentamos falar que era mais simples, que foi apenas um pequeno equívoco de indicação, possivelmente de uma moça que acabou de ser contratada, mas o grau de compreensão e capacidade de ouvir, desses cinco guardas da CTTU, era no nível mais rasteiro possível.

“Quando chegar a multa, é só recorrer”, disse um deles, com sua pitada de ironia.

O Carlos ainda tentou dizer que era intransigência, havia uma testemunha, mas não havia clima para conversa. Deve ser assim que trabalham no dia a dia. A tal da cultura, como dizem.

Breve, ele vai receber a multa em casa. Dei meu telefone e email, caso precise de testemunha em sua defesa.

Voltei para casa caminhando, pensando nisso. Como a nossa cidadania esbarra quase sempre numa farda.

**

Olhei há pouco, no site da Prefeitura, a “missão” da CTTU.

“A CTTU está presente nas ruas da Capital Pernambucana como órgão ordenador do trânsito desde janeiro de 2003. Os agentes municipais de trânsito da Companhia atuam nas vias do Recife monitorando, fiscalizando e facilitando a circulação de veículos, além de promover a segurança dos pedestres e realizando ações educativas. Cabe também ao órgão o gerenciamento da Engenharia de Tráfego, que consiste na implantação e manutenção da sinalização gráfica e semafórica da cidade, definição de áreas de circulação de veículos e pedestres, bem como, definição de espaços para estacionamento”.

A presidente do órgão, Maria de Pompéia Pessoa, vai ter que trabalhar muito para que esses profissionais estejam à altura da missão proposta.

O bom senso, este sim, passou a léguas e na contramão.

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(Joseph Pulitzer)