Comecemos com um raciocínio bem singelo: aquele que não está na extrema direita estará sempre à esquerda de alguém. Da mesma forma, quem não está na extrema esquerda estará, por óbvio, à direita do que ocupa essa posição. E de um extremo ao outro, as pessoas se ladeiam em posições sempre relativas. A noção espacial é, portanto, nosso ponto de partida para a compreensão da relatividade. Pois bem. Numa sociedade tão complexa como a atual, será mesmo possível classificar as pessoas e colocá-las em caixinhas cujos rótulos estampassem: de esquerda, ou liberal, e de direita, ou conservador? Quem são ‘os esquerdas’ e ‘os direitas’ em um complexo não linear: uma sociedade plural? Basta um exame de consciência e respostas sinceras a alguns questionamentos simples para que se verifique o quanto esses rótulos são irrelevantes. Eis um exercício para reflexão. Um homossexual que se coloca contra a liberação das drogas, ou do aborto, é um conservador? Será possível alguém defender as três ideias anteriores e não ser socialista, mas um capitalista ortodoxo? Um branco não racista, mas antissemita, é liberal ou conservador? Um ateu que defende a distribuição da riqueza conforme o mérito individual é liberal ou conservador? E um homem de fé, um religioso radical, que seja socialista, é liberal? E por fim: as respostas a essas questões podem ser dadas na simplicidade de uma afirmativa ou negativa categórica? Creio que não. Se eu gosto do vermelho e do azul, mas não gosto do verde, qual implicação isso tem com o fato de gostar de cão, mas não gostar de gato? Nenhuma é claro. Porque não há qualquer relação entre um fato e outro. Simples, não? Não. Infelizmente, não é tão fácil assim. Porque as pessoas tendem a pensar no absoluto de si mesmas. Milhões de absolutos diferentes que precisam relacionar-se. É isso que caracteriza uma sociedade complexa: que há nas relações sociais uma dinâmica multiplicidade de interesses e ideias e opções. E, para complicar um pouco mais, esses valores ou concepções morais individuais podem ser combinados em tal variedade e ordem de grandeza que parece mesmo impossível qualquer convívio social. Mas como poderemos conviver então, se somos tão singulares? Compreendendo exatamente isso: que somos diferentes e somente com tolerância podemos de fato viver numa democracia. Concepções individuais absolutas eliminam qualquer possibilidade de racionalização dessa imensa complexidade social. E a harmonização dessas diferenças somente se consegue através do debate democrático e do diálogo. Não se trata, portanto, de eliminação das diferenças, mas de harmonização. E isso só é possível com tolerância e respeito às opções alheias. É fundamental compreender que alguém ao seu lado, seja à esquerda ou à direita, pode ter propósitos muito semelhantes ao seu. Mas se quiserem ainda assim me impor um rótulo, que seja o de um radical tolerante-democrático.
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