Que existe um Brejo da Cruz.
Que eram crianças
E que dormiam nus".
Música: Brejo da Cruz - Chico Buarque
Estamos vivendo a era da comunicação tecnológica. Temos computadores, tablets e celulares. Temos satélites e fibra ótica. Temos a internet e as redes sociais. O que não conseguimos e até estamos perdendo é a comunicação pessoal. De pessoa para pessoa. Passamos de telespectadores (era assim que nos chamavam, quando tínhamos a sorte de possuir um aparelho de televisão que transmitia imagens que hoje achamos quase ininteligíveis e sons que mais se assemelhavam a barulhos, que hoje qualquer um não aceitaria em seus celulares com telas de alta definição e sons em estéreo do mais puro).
Pois é, em menos de vinte anos desenvolvemos tudo isso, menos a comunicação. E como não nos entendemos, não conseguimos explicar e principalmente não nos preocupamos em compreender para ao menos tentar aceitar.Tanta tecnologia a serviço da estupidez, da ignorância e principalmente do ódio. A crueldade nunca esteve tão bem aparelhada.
Se a comunicação enquanto expressão tem hoje facilidades e meios inimagináveis, a mensagem está cada vez mais difícil de ser entendida e por sua vez os preconceitos que antes não passavam de três ou quatro "comunicadores", hoje em questão de segundos transforma-se em"realidade" com seguidores e "curtidores" que na maioria das vezes nem se perguntam por que estão repassando , "curtindo" ou comentando os fatos como se apresentam.
Graças a essa "eficiência" podemos ser "Charlie" sem entender uma palavra de francês ou nos colocarmos na condição de macacos ou contra os islâmicos sem nem saber o nome do profeta..
Me parece é que no fundo, nós adoramos odiar e nem perguntamos a razão desses "ódios" dentro de nós. Sim, porque tudo tem uma razão de ser. O acaso não existe, principalmente se falamos de processos emocionais e inconscientes.
E os nossos inconscientes nunca estiveram tão expostos, tão psicóticos, pois a cada dia temos um ódio novo nas redes sociais. Tudo muito imediato e eficiente. Ódios e amores. Rápidos, inexplicáveis e quase sempre controversos. Estamos adorando odiar!
Em dias de redes sociais nós podemos odiar negros (mas amamos animais - somos bonzinhos com cachorrinhos e gatinhos que aparecem aos milhares em fotos floridinhas ou em vídeos lacrimosos), odiamos os gays ( tem gente apostando que gays são incapazes de serem bons pais ou mães. Afinal uma boa família é feita com héteros, mesmo que esses abandonem as crianças que serão adotadas pelos gays). Odiamos mulheres ( teve até um político que disse publicamente que mulheres devem ganhar menos pois engravidam e ainda falou da importância do estupro como punição para elas). E nós odiamos o povo. É verdade sim! Odiamos essa gentalha chamada povo, povão ou povinho, mesmo quando nos inserimos nele seja nas tabelas sociológicas ou estatísticas do IBGE .Eu também posso odiar comunistas (mesmo não sabendo muito a diferença entre comunismo e socialismo, mas odeio).
Agora o nosso ódio tem alvos fáceis: partidos populares, uma mulher que foi legitimamente eleita, um operário que desafiou as elites e se fez presidente. Tudo povo.
Mas por que razão temos tanto ódio contra "esse povo" (aliás é uma expressão muito boa quando a usamos para nos excluirmos do nosso próprio ódio)? Ela só perde para outra que mais descarada - a expressão "pobre". Ela é muito usada em piadas e comparações que por mais politicamente correto ( é um outro nome para encobrir a hipocrisia) que você se sinta conhece ao menos uma daquelas comparações que se fazem entre " o filho do pobre" e o "filho do rico" e que trazem em seu conteúdo o nosso preconceito e a nossa paixão por lamber botas (inclusive coturnos) dos nossos dominantes.
Qual é o partido mais odiado nos dias de hoje? É popular e teve a infeliz ideia de se chamar Partido dos Trabalhadores. Infeliz sim, nós odiamos trabalhadores e isso é histórico. Trabalhador é gente que se aperta em ônibus, usa perfume barato, fala alto e sofre de uma doença horrível chamada espontaneidade. É um povinho sem meias palavras, olho no olho, que não dissimula o que sente. Mas como eu disse antes é histórico.
Em tempos de Brasil- Colônia trabalhador ou era escravo ou escravo liberto. Os senhores eram brancos e se dedicavam a coisas mais nobres como estudar na Europa, falar francês e tocar piano. Trabalhador não ia à ópera, muitos nem podiam ir à igreja (Recife tem uma com o nome de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos), não frequentavam os saraus das casas da nobreza. As pessoas se protegiam do sol ( sem filtro solar 60 como hoje) com o mesmo pavor que hoje temos para não pegar câncer, mas pelo fato de um bronzeado mais forte denunciar a sua condição. As que se expunham eram chamadas de "trigueiras" ( um politicamente correto colonialista para tralhador braçal de campos de trigo) Era gente suada e fedida numa época em que banho e cosméticos eram artigos de alto luxo.
Porque odiamos nordestinos? Pela mesma razão. Eles entraram no sudeste como mão de obra barata semi-escrava para construir os palacetes dos barões do café e dos primeiros industriais da época.
Somos adeptos do belo ( mas só do belo greco-romano), peles brancas perfumadas e em dias de hoje bem hidratada, magra e sem celulite.Amamos o estrangeiro de olhos azuis e ensinamos ás nossas mulatas a caçarem esses troféus como se fossem os últimos dinossauros vivos sobre a terra. Não temos orgulho dos cachinhos dos nossos cabelos,( daí o sucesso das chapinhas e escovas "inteligentes" que até hoje eu não consegui ver o QI). Nós amamos o que não nos identifica, ou melhor o que pode esconder nossos complexos de vira-latas históricos. Nossas mulatas só são lindas como material de consumo sexual para deleite do estrangeiro. Nós temos medo quando encontramos na rua uma pessoa negra que se aproxima. Mas se tivesse o olho azul seria um estrangeiro perdido precisando de ajuda. É aquela coisa: Mulata é linda, mas casar com meu filho de olho azul, nunca!
Somos lambedores de botas históricos e com pedigree. Duvido que se encontre no estrangeiro placas em outro idioma que não seja o próprio do país.Isso sem falar dos nossos estabelecimentos com nomes de reis e rainhas disso ou daquilo. Nós adoramos saber que podemos ser descendentes de tal ou qual família ( tem um site que até brasão ajuda a encontrar), talvez para esquecer que somos descendentes de degredados, índios escravizados e africanos que tiveram o mesmo destino. Odiamos farmácias ou lojas que nomes como: do trabalhador ou dos pobres( aqui em Recife todas faliram). Amamos comprar naquelas que tem nome legitimamente inglês, como se fôssemos súditos elisabetanos ou legítimos sobrinhos do Tio Sam.
Ser não-povo é fugir de tudo isso que se não fossemos tão emocionalmente doentes poderia nos orgulhar
Em outros países ter um presidente operário ou lenhador é motivo de orgulho. Para nós é libelo acusatório. Precisamos sepultar, destruir, esconder a nossa vergonha de sermos únicos, tão diferentes, tão miscigenados. Por isso tentamos nos branquear, nos enriquecer com o que o outro aplaude.Sepultamos a nossa cultura em camadas de terra de novidades importadas quase sempre de mal gosto. Vemos programas estrangeiros e copiamos suas fórmulas. Nossos jovens cada vez mais esquecem a pureza da sua língua mãe e adotam o linguajar e as roupas ( muitas vezes caras ) trazidas pelo estrangeiro como se fossem bonecos de uma mesma marca. E por trás de tudo isso uma mídia perversa (basta ver os realityes shows onde tudo parece normal inclusive sexo explícito com desconhecidos) e corrompida que elege a cada dia "o maior sucesso de todos os tempos da última semana" Como diz uma música. Vale tudo!
Depois, aparece um partido, com políticos saídos das entranhas das fábricas e dos conselhos populares, que tem como líder um nordestino, que não está disposto a incensar as botas do patrão mas que valoriza as suas origens miseráveis ( e o pior, parece ter orgulho dessas origens) que distribui renda para o povo ( foi a maior distribuição de renda que já se viu) que não se conformou e achou que filho de pobre pode ser tudo , até presidente ( acho que ele não se conformou com a célebre piada que diz que rico correndo é atleta e pobre correndo é ladrão) que possivelmente teve uma mãe que lhe injetou auto estima em largas doses ( a mãe... a culpa é sempre da mãe, numa visão freudiana) e que por fim elege uma mulher que não se curvou nem sob tortura ao machismo e ao oportunismo canibal das classes dominantes.
Talvez isso seja só o começo de uma tentativa de explicar esse ódio galopante que se instalou no país. Muitos vão negar, afinal a negação é um dos melhores mecanismos de defesa do inconsciente. .Afinal, no inconsciente vale tudo para não denunciar o que dá medo, o que não se suporta. Mas o velho psicanalista judeu-austríaco também dizia que aquilo que eu acho muito estranho e até odioso no outro é porque muitas vezes é muito conhecido para mim. Ai! como eu adoro odiar, pois eu me reconheço nos meus ódios e me garanto na suas negações. Eu adoro odiar você negro, pobre, mulher, muçulmano , trabalhador ou analfabeto pois isso me ajuda a viver com o meu medo de ser reconhecido e denunciado por ser seu semelhante, seu igual.
Ai! Que ódio de não poder ser eu mesmo. Só um lambedor de botas miserável e infeliz.
Sou de Casa Forte.
Sou de Pernambuco.
Eu sou o Leão do Norte".
Lenine (nome de comunista).
4 comentários:
comunismo=fascismo
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comunismo=fascismo=nazismo=racismo
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